domingo, 21 de novembro de 2010

Programa do beijo

Domingo à tarde. Tédio característico. Sabe deus lá por que peguei o controle e inventei de sentar no sofá. Era Silvio Santos quem apresentava um programa de beijos. A ideia era a seguinte: uma fileira de mulheres que escolhiam o homem mais atraente. Genial e inovador, não?

Eis então que vem o primeiro homem, vestido de índio e dançando toscamente com uma flecha na mão. Nenhuma mulher se manifesta - eu, no lugar desse rapaz, me mataria assim que chegasse ao camarim -. Vem o segundo homem. Másculo, rebolou ao som de um axé "tchum tchá tchá tchum tchum tchá" qualquer e foi escolhido por uma loira oxigenada, sentada à esquerda. E assim a temática se desenvolvia.

Pois bem.

Na hora em que todas as mulheres já tinham escolhido os seus devidos machos reprodutores, entraram ainda mais alguns homens e então veio a pergunta, que me chocou: Mulheres, vocês querem trocar?

Cara, como assim? Eu refleti sobre isso. Na hora me veio a ideia de produtos, como não poderia deixar de ser. Um produto mais bonito que o outro, que você troca caso ele esteja viciado.

Tudo bem, meus amigos. Tudo bem. As relações de "pegação" modernas tem esse viés coisificado. Tudo bem. Mas aquela cena, revelando a coisificação de maneira tão nua assim, me fez pensar. Caralho. Me fez pensar.

A desgraça não parou por aí.

Em determinada altura desse programa intelectual, Silvio, com aquele seu dom divino da risada eterna, perguntava aos rapazes, e, após, às moças, se eles aceitariam quinhentos reais para não beijar a mulher que o tinha escolhido, ou, no caso da mulher, se ela aceitaria o valor para não beijar o cara que ela mesma tinha escolhido. A cada "não" o apresentador aumentava o valor, para provocar os filósofos participantes daquele quadro picante.

Eu tive que rir!

Ri mais ainda - risada com gosto de suicídio - quando uma mulher ACEITOU quinhentos reais para não beijar um cara que ela tinha escolhido. Puta merda! Qual deve ser o valor do beijo daquela mulher bonita que conheci ontem? - imaginei.

Pensei sobre esses fatos todos e pude mesmo concluir que em uma relação superficial, que ocorre nas raves e casas noturnas da vida afora, temos, todos, os nossos preços. Fica bem na nossa testa. O mais bonito, doze mil. O feio, alguns reais. A ferrari e o fusca.

Enfim. O que marcou foi o quanto o programa deixou às claras essa questão da escolha do parceiro se relacionar com a escolha de um produto. Isso ficou muito, mas muito evidente.

Bizarro para os olhos preparados; indiferente para os vulgares.

4 comentários:

  1. Olha eu aqui...

    Antigamente os jogos de namoro que apareciam na TV eram menos piores.
    Tinha um, criado por Chuck Barry [não Chuck BarrryS], que inclusive foi retratado no filme "Confissões de Uma Mente Perigosa", que era bem menos superficial. Uma mulher tinha que escolher entre três pretendentes, mas pelas respostas que davam às perguntas e não pela cara deles, porque até o final, até a escolha feita, ela não podia vê-los. Assim, ela escolhia aquele que tinha a "personalidade" que lhe parecesse mais atraente.
    Silvio Santos inspirou grande parte dos seus programas em Chuck Barry, só que com aquele toque emburrecedor que só ele sabe dar. rs
    Eu acho que, com tanta gente na rua, na faculdade, nos bares, nos shoppings, nas boates, a pessoa ir prcurar namorado na tv é fundo de poço demais. Não faz o menor sentido.

    Confesso que, assim como você, também sento no sofá e fico zapeando canais para fazer minhas "reflexões filosóficas". E a gente se depara com cada absurdo. Fico imaginando porque o Rodrigo Faro se veste de mulher e fica dançando Fergie. Porque as pessoas se submentem a ficar no auditório do Silvio Santos onde ele joga notas de cinco reais, se debatendo como animais famintos recebendo migalhas. Me pergunto porque, há vinte anos, o ponto alto do Programa do Faustão são as vídeo-cassetadas. A desgraça alheia diverte os outros. Somos todos sádicos. Deve ser por isso que telejornal tem tanta audiencia. As pessoas não estão de fato a fim se interar com os acontecimentos. Elas querem o show, o sofrimento, a infelicidade, a angústia. Do outro, naturalmente. É a luta de gladiadores no Coliseu. A plateia vai assistir ao duelo, não para torcer por um, mas para ver algum deles, qualquer um, saindo morto. Ontem mesmo enquanto assistia o Domingo Espetacular - o Fantástico da Record - notei que eles repetiam insistentemente a cena da agressão com lampadas fluorescentes aos meninos na Av Paulista. Pela reportagem da Record, o cara que foi agredido já devia estar morto, porque, que contei, foram pelo menos uns 50 golpes com a lâmpada, tamanha a quantidade de vezes que se repetiu. Será que os telespectadores queriam ver aquela cena do menino sendo golpeado continuamente, repetidas vezes, até cansar e acabar por achar banal? Sim, eles queriam.

    Mas você falava da superficialidade das relações e eu acabei descambando pra outro lado.

    O que acontece é que, lendo seu texto, não pude deixar de pensar que temos uma certa lucidez em relação às outras pessoas. E com isso, o que parece comum aos olhos dos outros, para nós, como você disse, é algo bizarro, até mesmo chocante.

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  2. Depois disso vem a 'paranóia da alienação'.
    É uma suspeita constante de "será que estou sendo enganado?" "será que há alguma coisa além disso que não estou conseguindo enxergar?" "será que minha opinião formada é lúcida ou é o que querem que eu pense?"

    É isso. Eu tenho medo de estar sendo alienada. O tempo todo. Porque o alienado não sabe que é.

    Entende?

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  3. Mas eu não sou fanática com isso. rs
    Só cautelosa.

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