domingo, 27 de março de 2011

Calcinha de uva

Onde é o banheiro? - ela pergunta. Indico o caminho com a ponta dos dedos, como que um guia turístico prestativo animando os visitantes. Ela levanta, esbarra levemente atrás de mim, e logo em seguida já começo a pensar aos mil bilhões. Eu não parava de me perguntar como terminaria aquela noite.

Ela volta, toda gostosa, senta igual uma moleca, e me pede pra cheirar a sua mão. "Nossa! Que cheiro bom de uva!" - franzi a testa igual uma criança curiosa. "É a minha calcinha" - ela diz. Ver a expressão dela dizendo aquilo, com aquela naturalidade toda, não me deixou escolha: tiver que ir a nocaute.

Imaginei-me arrancando aquela calcinha no dente, com uma brutalidade desmedida. Que safada, pensei. Que safada!

Foram-se mais alguns goles e umas boas risadas. Acabamos parando na sinuca. Deixei bem claro que iria vencer. Gosto de ser bom. Por vezes, gosto de ser bom e mandão também. Da minha vitória na sinuca, fomos para a cama.

Deitei primeiro. Ela veio por cima. Custei a acreditar no que via. Dei duas batidas na cama, querendo que ela se deitasse. Subi o vestido. Lá estava ela: a calcinha de uva. Me aproximo bem devagar, decifrando antes cada centímetro daquela perna linda.

De repente, um clarão no olho! Ajusto o retrovisor. Dou uma conferida rápida nos olhos. Muito vermelhos. Coloco uma música mais pesada pra afastar o sono. Piso fundo. Preciso chegar antes das seis - pensei.

sábado, 26 de março de 2011

Sensível à poesia.

Fiquei a olhando por um bom tempo. Imperfeita, tresloucada, mímica, desviada. Toda errante. Mas com vida. Não acenda um cigarro, pensei. Em vão: ela põe a mão no isqueiro e leva um Marlboro à boca. As pernas cruzadas e o esmalte vermelho precisando de retoque davam o tom da poesia. Sou fraco pra essas cenas, irmãos. Muito fraco.

Ela conseguia potencializar todos os meus ideais destrutivos: querer o impossível; a conversa interminável; o gozo eterno. Vadia.

Seria divertido se ela soubesse disso tudo, com a condição de que guardasse só pra si.

Dei uma golada discreta na cerveja e acendi também um cigarro. Queria me unir a ela de alguma forma, ainda que por meio do toque transparente das fumaças. Amarga ilusão.

Ao cabo de tudo, já às cinco da manhã, as despedidas formais, os abraços. A realidade começa a dar as caras. Chego em casa sóbrio, incrivelmente sóbrio. Concluí que esse era o meu castigo final. Sentenciado à guilhotina!

Preferiria a tontura e o vômito. A tragédia patente, inescondível. Mas tive que dormir ao lado de mim.