domingo, 27 de junho de 2010

Uma conversa entre espelhos

Os espelhos, em especial os de elevador, vêem de perto a solidão humana. Quando o andar chega, todos descem e só resta um único passageiro, as coisas mais absurdas e inimagináveis acontecem. Vão desde caretas a choros. Triste e cômico assim. A relação ser humano x espelho revela bem quem somos. Agora pensemos neles, nos espelhos. Que rotina desoladora e quanta sobrecarga emocional eles aguentam...

- Um dia desses, quando todos saíram do elevador, um cidadão, um cara alto, magro e com uns braços longos deu aquela olhada clássica no rosto: conferiu se a calvície não tinha avançado; se nenhuma nova e maldosa espinha havia nascido e se nenhum arroz guerreiro do almoço havia gostado dos seus dentes. Eu só não contava com ...

- Com o quê?

- Com aquela coisa branca que reluziu para mim.

- Coisa branca?

- É. O safado abaixou as calças e virou a bunda pra mim.

- Nossa! Que horrível!

- Já suportei muitas coisas, inclusive amassos pra lá de calientes entre chefe e subordinado; agora, cá pra nós, mostrar a bunda? É o fim da picada!; o frigir dos ovos!

- Veja como nossa vida é triste: temos que aguentar tudo isso e sequer podemos nos suicidar.

- É. Ninguém pensa em nós. Todos se olham. Todos nos usam. Devo ter umas mil faces guardadas em minha mente. Mil faces desses seres tristes e indecifráveis.

- Nesses meus longos anos de existência, uma dúvida sempre me perseguiu: por que as pessoas esperam as outras saírem para poderem, só então, se olhar e reolhar? Por que é que na solidão eles se mostram tão estranhos assim?

- Não faço ideia.

- Suspeito. Apenas suspeito que a rotina deles é uma farsa total. Todos devem fingir que são comportadinhos e bem educados, mas, aqui dentro, dentro desse maldito elevador, revelam quem são! O quão sombrios e tristes são!

- É uma boa teoria.

- Alá! Alá! Vem vindo outro.

- É. Voltemos ao trabalho.

- Pois é. Acho que vou sacaneá-lo. Só de raiva! Vou aumentar o tamanho do nariz desse corno em três vezes!

- Te ajudo!

terça-feira, 22 de junho de 2010

Paulinho moska - tudo novo de novo

"Vamos começar
colocando um ponto final
pelo menos já é um sinal
de que tudo na vida tem fim"

Olha ... sinceramente? Fantástico. Arrepio ao ler isso. Como se não bastasse:

"É tudo novo de novo
Vamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos"

A música celebra, a meu ver, o recomeço, e transmite com sinceridade a ideia de que tudo, de fato, querendo ou não, inabalável e indestrutivelmente, tem o seu fim! Sim! Fim! E, já que é assim, tenhamos a virtude de nunca ter medo de recomeçar.

Sacaram? A grande jogada nossa é saber recomeçar; olhar com novos olhos; fazer novas leituras; novas versões. O lamento pelo que se foi já não dá em nada faz tempo.

A propósito, lembrei-me de los hermanos: tanto faz que o que não foi não é! (O velho e o Moço)

Pois bem. Quem nunca ouviu esta música "tudo novo de novo", por favor, ouça-a! Eu imploro!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Invictus - Copa do mundo - Brasil: um pouco de emoção.

Há tempos não tinha visto algo tão louco assim: dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo. Ruas infestadas de camisas verde-amarelas, carros e motos andando em um compasso desordenado vapt-vupt. É o povo, composto de ricos e pobres, - e nesse dia não há distinção! -, urrando suas trombetas e sinalizando: vai, Brasil!

Esse "fenômeno" me lembrou o filme Invictus, em que Nelson Mandela, protagonizado por Morgan Freeman, faz de tudo para ajudar o time de Rugby da África do Sul a vencer um torneio. Esse time simboliza o apartheid, a segregação. Os brancos adoravam o time; os negros odiavam. Ajudando o time, pensava Mandela, um estigma estaria sendo quebrado. Um negro ajudando um time de brancos. Já era um começo.

Uma linha se pôs na história e dividiu os negros dos brancos, os pobres dos ricos. O filme, porém, e a Copa do Mundo, têm em particular a façanha de conseguirem unir todas as etnias, crenças e descrenças.

Hoje, na Copa do Mundo, sem embargo das críticas pertinentes que existem, é certo que, ao menos por um mês - grito! -, ricos e pobres cantam o mesmo refrão.

É pouco, eu sei. Mas que emociona, ah, emociona!.

Abraços calorosos.

domingo, 13 de junho de 2010

novos horizontes

Os pés dele faziam toc-toc no chão, revelando o seu tédio; a mão esquerda sobre o teclado, a direita apoiando a cabeça e a coluna semi-encurvada em uma cadeira dura e antiga terminavam de esculpir a cena.

Ê vida, pensava. Sem inspiração, cheio de dúvidas e desamores, decidiu tomar uma atitude: deitou em sua casa, puxou a coberta e se pôs a dormir.

Eis uma verdade: quando o sol nasce - ainda descubro por que ele insiste tanto nisso - novos horizontes sempre se abrem e, também não sei exatamente por quê, o que era triste já não fica mais tão triste assim.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

jornalonline.com

Se eu fosse fazer um jornal online qualquer, seguiria o seguinte esquema:

Na parte inicial haveria notícias sobre mortes e assassinatos. Coisas básicas, mas que surtem efeito, tipo: homem leva machadada e cai do trigézimo andar de um prédio. Confira as fotos!

No meio, para aliviar um pouco a dor causada pela parte inicial, notícias sobre futebol e celebridades. Não faltariam tópicos como: "Você acha que Ronaldo está gordo? Vote Já!". Ou, então: "Confira enquete sobre Amy Whinehouse e o alcoolismo".

Alfim da página, colocaria aqueles textos "pragaleracabeça", tipo: "Por que o PIB do Brasil cresce, mas ainda tem um mendigo dormindo na esquina da sua casa?".

Será que a fórmula pega?

terça-feira, 8 de junho de 2010

pensamento cabal

Acho que, de todas as verdades, a que mais me perturba é a de que o tempo é inexorável.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

sobre a ilusão

a noite;
o vento um pouco frio;
a fumaça do cigarro;
a ilusão da cerveja;
o delírio dos loucos;
a longa unha vermelha da meretriz;
o boteco da esquina;
a filosofia;
o barulho da sinuca;
a promiscuidade sensata.

Amo isso tudo. Amo porque sou parte disso. Sou parte dessa ilusão. Penso, e já nem tenho mais dúvidas, que a minha rotina - o que chamam de real e ordenado - é um meio para se obter a minha doce e efêmera ilusão.

Faço parte do metafísico. Sou fruto de uma geração sem grandes sonhos; sem um mal a combater; sou o meu pior inimigo!; quero o prazer a todo custo.

Bem-vindo à pós-modernidade!

Meus pensamentos são intangíveis. Nem eu os domino!.

A ilusão me deixa estar um pouquinho dentro da realidade.

sábado, 5 de junho de 2010

sintomas do amadurecimento

realizar grandes feitos e não sentir tanta vontade assim de contar para os outros.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

no açougue ...

- um rabo salgado, por favor.

Já tinha esperado muito tempo na fila. Saco. Ninguém gosta de esperar. Ainda mais quando se espera para pedir um "rabo salgado". É coisa de mãe.

Depois do pedido, aquele desolador vácuo no infinito. É. O silêncio. Aquilo que te persegue quando alguém entra no elevador, travando sua respiração e fazendo você olhar pras mãos. - Aliás, esse vácuo que se abre é o reconhecimento de nossa existência, mas isso fica pra outra postagem -. Não resisti, e mandei:

- Hoje tem flamengo, né? - preciso ser chato e repisar a ideia de que a falta de assunto, corporificada no silêncio, é, não raro, o "ente" mais coator que pode existir.

- É. É hoje.

- Você é flamengo? - perguntei

- Mengão, sempre. Tá aqui a carne.

- Brigado.

Açougues e elevadores: ambientes, inobjetavelmente, e por natureza (!), desconcertantes.