sábado, 14 de agosto de 2010

O bêbado

O carro estava quase parando. Sinal amarelo; depois, vermelho. Pé na embreagem. Ponto morto. Freio. Movimentos automáticos. De repente, a cena - automática para alguns - daquele garoto jovem com dois pedaços de madeira na mão. Passei a observá-lo. Tentei fazer com que nada, nada mesmo me impedesse de olhá-lo. Prestei atenção nele; nos movimentos, no jeito, no traje, no olhar. Especialmente no olhar. Vazio, sem mundo e sem chão. Mas, e eu? O que tinha no meu olhar? Quem estava por de trás daquele julgador olhar? Cheguei à conclusão, não muito animadora, de que também os meus olhos tinham um pano de fundo vazio. Comparei-me ao garoto do sinal. Ele, fazendo movimentos bêbados e desengonçados com os pedações de madeira, e eu, em um carro confortável, veloz, mas distante do mundo. Tão distante do mundo quanto ele. Tão sedento por olhares quanto ele. Tão carente de atenção quanto ele. O sinal torna a abrir. Só fui me dar conta com a buzina do carro de trás. Eu, robô, passando as marchas; ele, acrobata e bêbado, jogando pedaços de madeira para o alto.

2 comentários:

  1. Onde a maioria absoluta veria a diferença, você viu a igualdade.
    Esse texto me desencadeou uma torrente de pensamentos, mas acho que o comentário acima é suficiente por ora. Vou pensar um pouco sobre isso.

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